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Rejeito de mineração muda processo vital da floresta e beneficia espécies invasoras na bacia do Rio Doce

Pesquisadores usaram o método Tea Bag Index para revelar diferenças na decomposição de plantas entre áreas impactadas e preservadas. Foto: João Carlos Figueiredo
Pesquisadores usaram o método Tea Bag Index para revelar diferenças na decomposição de plantas entre áreas impactadas e preservadas. Foto: João Carlos Figueiredo

Dez anos depois, o rompimento da barragem de Fundão ainda revela impactos ambientais que vão muito além dos danos aparentes. Um estudo inédito analisou os efeitos, oito anos após o rompimento, e constatou que os rejeitos alteraram profundamente a decomposição da matéria orgânica na floresta ciliar do Rio Doce.


A decomposição é essencial para a vida porque transforma restos de plantas e animais em nutrientes que fertilizam o solo, sustentando o crescimento das plantas que alimentam todos os seres vivos. Sem esse processo natural de reciclagem, os ecossistemas colapsariam e a vida na Terra se tornaria inviável. Assim, alterações neste processo nas margens do Rio Doce comprometem a ciclagem de nutrientes e a saúde do ecossistema, dificultando a recuperação natural da vegetação nativa e, assim, o seu futuro.


Para investigar essas mudanças, o estudo “Revelando as consequências ocultas dos rejeitos de mineração sobre os processos ecossistêmicos: a interrupção da decomposição de espécies nativas na bacia do Rio Doce”, publicado pela conceituada revista Forest Ecology and Management, utilizou um método inovador. Pesquisadores combinaram o método Tea Bag Index (TBI) padrão, que emprega chás comerciais, com uma versão adaptada que mede a decomposição de folhas de espécies nativas do Rio Doce e do capim braquiária, espécie africana e invasora. Essa abordagem permitiu detectar diferenças significativas nas taxas de decomposição dos restos de plantas entre áreas impactadas pela lama da mineração e áreas de referência preservadas.


Desequilíbrios ecológicos


Rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), provocou o maior desastre ambiental da história do Brasil. Fotos: Geraldo W. Fernandes


Os resultados revelaram que a decomposição das folhas de espécies nativas essenciais para a floresta está severamente reduzida nas áreas afetadas pelo rejeito. Isso significa que o processo natural pelo qual a matéria orgânica se transforma em nutrientes para o solo está comprometido, o que tem efeitos negativos diretos na fertilidade do solo e na disponibilidade de nutrientes para outras plantas e organismos. Essa desaceleração na decomposição indica que o solo contaminado pelo rejeito sofre alterações químicas e físicas que dificultam a ação dos decompositores, como fungos e bactérias, quebrando o ciclo vital que sustenta a saúde e a regeneração da floresta. 


Em contrapartida, a decomposição da braquiária foi acelerada nessas mesmas áreas, sugerindo que as mudanças nas condições do solo criaram um ambiente mais favorável para uma  espécie muito agressiva ao meio ambiente. De acordo com o primeiro autor do estudo, João Figueiredo, “essa vantagem favorece a dominância da gramínea invasora em detrimento das espécies nativas, alterando a estrutura e a composição da vegetação local”. Esse desequilíbrio não só compromete a biodiversidade do ambiente, como também dificulta os esforços de restauração ecológica, uma vez que a gramínea invasora pode impedir a regeneração das plantas nativas essenciais para o funcionamento da floresta.


Colaboração multidisciplinar e robustez dos dados


O estudo científico é fruto da colaboração entre 19 autores de instituições nacionais e internacionais, como Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), University of Oxford (Reino Unido), Henan Agricultural University (China) e University of Minnesota (EUA), além do Centro de Conhecimento em Biodiversidade (INCT/CNPq/MCTI).


Para garantir a robustez dos dados, o estudo foi conduzido em cinco regiões da bacia do Rio Doce, durante as estações chuvosa e seca de 2023. Em 180 locais, foram enterrados 2.160 sachês de chá para medir a decomposição em diferentes condições ambientais, contemplando tanto solos impactados pelos rejeitos quanto áreas preservadas. Além das taxas de decomposição da vegetação, os pesquisadores realizaram análises detalhadas das propriedades físicas e químicas dos solos, para entender sua influência nos processos ecológicos. Segundo a pesquisadora Yumi Oki, essas descobertas oferecem subsídios práticos para ações de recuperação de matas ciliares e solos contaminados por rejeitos de mineração, contribuindo para a restauração ecológica da bacia do Rio Doce e para a formulação de estratégias mais eficazes em paisagens pós-mineração.


Segundo o coordenador do projeto Biochronos e da pesquisa, Geraldo Fernandes, o solo modificado pela deposição do rejeito reconfigura o “motor” da ciclagem de nutrientes, dando ampla vantagem às espécies invasoras e desbalanceando os processos naturais que promovem a biodiversidade e funcionamento das matas ao longo do Rio Doce. Para o Professor Fernandes, é fundamental que a ciência lidere as decisões sobre como restaurar as propriedades das áreas afetadas diretamente e indiretamente pelo rejeito se o objetivo é o retorno da biodiversidade da região e seus serviços para a natureza e humanidade.


Diante desse cenário e novidades científicas, o estudo recomenda a adoção do índice modificado, que considera as espécies nativas locais para o monitoramento e para recolocar a floresta em seu caminho natural de funcionamento. O estudo também sugere a combinação de espécies com diferentes estratégias de decomposição, algumas rápidas, outras mais resistentes, para equilibrar a ciclagem de nutrientes e a estabilização do carbono, além do controle das espécies invasoras que se beneficiam do solo alterado pelo rejeito.

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