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Raíra Saloméa

Besouros se disfarçam de moscas para sobrevier

Estudo inovador usando massinha de modelar investiga imitações entre insetos


 A ciência pode resolver questões complexas usando materiais simples e baratos, como massinhas de modelar. Nas montanhas da Serra do Cipó, pesquisadores fizeram insetos de massinha para entender porque alguns organismos se disfarçam, desenvolvendo características que imitam outros organismos, o que é chamado na ciência de mimetismo.

 

No mimetismo um organismo imita algum tipo de sinal (químico ou visual) emitido por outro organismo, de forma a enganar algum predador “distraído”. Alguns insetos mais lentos costumam imitar outros insetos mais ágeis e difíceis de serem predados.


A equipe de pesquisadores do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas e da Universidade Federal de Minas Gerais testou experimentalmente a importância desse mecanismo para a sobrevivência e evolução dos insetos. Em ecossistemas como os campos rupestres da Serra do Cipó, altamente biodiversos e ameaçados, essa adaptação pode ter um papel crucial na sobrevivência dos besouros.


Na foto da esquerda, mosca comum na região. Na foto da direita, besouro "disfarçado" de mosca.


Besouro usa técnica sofisticada para imitar mosca. Fotos: Tadeu Guerra


A equipe utilizou réplicas de besouros que imitam moscas para conseguir enganar os predadores. O estudo é o primeiro a demonstrar em ambiente natural a estratégia de disfarces dos besouros. Os resultados foram publicados na renomada revista científica The American Naturalist, um dos mais antigos periódicos da área de ecologia e evolução, em atividade desde 1867.

 

Besouros de massinha pelo campo

 

Os cientistas já suspeitavam há muito tempo que existiam casos de insetos imitando outros insetos mais ágeis e difíceis de capturar, porém isso nunca havia sido comprovado na natureza. “Este tipo de trabalho experimental ainda é muito raro, principalmente em ambientes tropicais, e ainda mais raros com mimetismos de fuga.”, explica o pesquisador Flávio Camarota, um dos autores do estudo.


Mosca original no alto à esquerda e besouro mimético abaixo à direita. Foto: Tadeu Guerra

Réplicas de besouros feitas de massinha de modelar não tóxica foram distribuídas no campo sobre galhos e folhas durante a estação chuvosa, quando os besouros estão presentes no ambiente. As réplicas de massinha foram projetadas com diferentes padrões de coloração para simular vários tipos de disfarces: os besouros que imitam perfeitamente os olhos vermelhos das moscas (bons miméticos), os besouros com disfarce menos sofisticados, com olhos marrons (maus mímicos); e besouros sem disfarces, que não imitam nenhuma característica das mocas (não miméticos).

 


Para avaliar se o disfarce funciona, os pesquisadores avaliaram as marcas da predação.  As aves deixam fortes marcas em forma de V e costumam arrancar pedaços da massinha, enquanto os mamíferos deixam marcas de dentes e os insetos deixam pequenos furos e arranhões na massinha. Ao recuperarem as réplicas e avaliarem as marcas de ataque, os pesquisadores identificaram que aquelas massinhas que se assemelhavam a moscas eram menos atacadas por aves.


Pelas marcas de ataque na massinha, pesquisadores identificam os predadores. Fotos: Tadeu Guerra

A visão é o principal sentido usado pelas aves ao caçar. Enganadas pelo disfarce do besouro, elas evitaram atacar aqueles que “se disfarçam” de um tipo de mosca muito comum na região. Réplicas de besouros com olhos vermelhos, semelhantes às moscas da região, que são mais ágeis e difíceis de capturar, foram muito menos atacadas do que réplicas sem olhos vermelhos. Ou seja, se parecer com essas moscas maximiza a sobrevivência de alguns tipos de besouros.


 

Importância para a conservação  

Pesquisador Tadeu Guerra distribuindo as réplicas em campo na Serra do Cipó.

O resultado da pesquisa tem implicações importantes na compreensão da diversidade biológica e das estratégias de evasão predatória dos organismos. Muitos organismos estão envolvidos em mimetismo. Por isso, avaliar as causas e vantagens dessa adaptação ajuda a entender as origens da enorme biodiversidade do nosso planeta e compreender as melhores estratégias de defesa e conservação da biodiversidade.

 

“Nosso estudo foi pioneiro ao demonstrar a importância de organismos mais lentos e desajeitados, como besouros, se parecerem com organismos ágeis e difíceis de capturar, como as moscas. Este conhecimento nos ajuda a entender como funciona o complexo mundo natural ao nosso redor através do conhecimento das técnicas que os animais utilizam para escapar de predadores.”, explica Camarota.

 

Os próximos passos incluem aprofundar a compreensão sobre as preferências dos predadores, demonstrando de forma definitiva que as aves evitam besouros miméticos não por serem desagradáveis ou lentos, mas por sua semelhança com presas difíceis de capturar. Essa pesquisa promete continuar revelando os intricados mecanismos que moldam a vida selvagem e sua interação com o meio ambiente.

 

 

Autores do estudo:
Tadeu Guerra - Museu de Ciências Naturais da PUC Minas
Rodrigo Fagundes, Flávio Camarota, Frederico Neves, Geraldo Wilson Fernandes - Universidade Federal de Minas Gerais
 
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