Cientistas criam referências para mais um ecossistema ameaçado do Brasil
Palicourea rigida (ou Douradão) no Parque Nacional da Serra do Cipó, Minas Gerais. Foto: Geraldo Fernandes
O campo rupestre é um dos ecossistemas mais antigos e com maior número de espécies do Brasil. Entre elas, há uma grande quantidade de espécies endêmicas, ou seja, que só existem nesse lugar. Com as mudanças climáticas e a pressão de atividades humanas sobre as áreas naturais, esse ecossistema enfrenta desafios que colocam em risco sua biodiversidade.
Uma nova pesquisa desenvolvida por cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade Estadual de Montes Claros, através de parceria com a AngloAmerican, determinou os ecossistemas que servem de referência para guiar ações de restauração e monitoramento ambiental no Campo Rupestre. São áreas modelo, que servem de espelho de como o ecossistema deve ser monitorado ou restaurado para que as espécies e o serviços ambientais, como proteção do solo e regulação hídrica, sejam preservados.
Como são os campos rupestres?
Para entender melhor como são os campos rupestres, primeiro precisamos saber que há dois tipos principais deles: o campo rupestre quartzítico, onde a vegetação se desenvolve sobre solos ricos em quartzo, como o nome diz; e o campo rupestre ferruginoso, também conhecido como canga, que se desenvolve em solo rico em ferro.
Presente muitas vezes em áreas de alta relevância econômica, o ecossistema enfrenta crescente pressão devido à expansão imobiliária, turismo descontrolado e atividades de mineração. A destruição de habitats e a ocupação irregular de áreas nativas são fatores críticos que podem levar espécies raras à extinção e comprometer o equilíbrio do ecossistema. Além disso, esses impactos favorecem a invasão de espécies exóticas, que aumentam os riscos de extinção e de perda das funções ecológicas. Por essa razão, há urgência em restaurar e monitorar as áreas degradadas.
Actinocephalus bongardii (Sempre Viva Chuveirinho) no Parque Nacional da Serra do Cipó, Minas Gerais. Foto: Geraldo Fernandes
Vegetação resiliente e diversificada
A pesquisa, coordenada pelo pesquisador Geraldo Fernandes, da UFMG e do INCT Centro de Conhecimento em Biodiversidade, investigou quatro dos principais tipos de habitats que existem no campo rupestre quartzítico: os afloramentos rochosos, os campos pedregosos, os campos arenosos e as turfeiras. Eles avaliaram as espécies de plantas que existem nesses quatro habitats e a relação delas com os solos, revelando as singularidades existentes em cada ambiente e as espécies que caracterizam cada um deles.
– Confira aqui a pesquisa sobre o campo rupestre ferruginoso: Cientistas da UFMG criam referências para guiar a restauração da canga - LEEB
Foram identificadas 257 espécies de plantas, variando consideravelmente entre os afloramentos rochosos, campos pedregosos, campos arenosos e turfeiras. Essa riqueza reflete como as propriedades do solo – como teor de matéria orgânica, retenção de água e presença de minerais específicos – são determinantes para a vegetação; e como ela é resiliente, se adaptando para prosperar em condições adversas.
“Quando falamos de campo rupestre, os solos não são apenas substratos, pois eles moldam toda a biodiversidade e funcionamento do campo rupestre. Cada habitat possui espécies únicas que desempenham papéis ecológicos essenciais. Restaurar sem considerar suas particularidades pode causar mais danos que benefícios” explica Jéssica Cunha-Blum, cuja pesquisa foi desenvolvida no âmbito do seu mestrado na Unimontes.
Áreas testemunhas para a restauração
Os resultados possibilitaram uma análise integrada da delicada relação entre solo e planta, destacando as estratégias de sobrevivência adotadas pelas diferentes espécies em cada habitat. Essas informações permitem identificar quais espécies são mais adaptadas às características específicas do solo ou do ambiente, contribuindo para o desenvolvimento de modelos de restauração e monitoramento mais eficazes.
O artigo, publicado na renomada revista científica Ecological Engineering (clique para acessar), apresenta um banco de dados que destaca as espécies mais importantes para a construção, estruturação e funcionamento das comunidades nestes habitats do complexo e desafiador ecossistema de quartzo.
Os cientistas alertam que as políticas ambientais vigentes devem incorporar, com muita urgência, os avanços científicos obtidos nos estudos do campo rupestre. Procedimentos e orientações precisam ser revisados para evitar que práticas inadequadas de restauração comprometam ainda mais a biodiversidade neste ecossistema, considerado o mais ameaçado do Brasil.
“O campo rupestre quartzítico é formado por um mosaico diversificado de tipos de vegetação. Logo, a sua recuperação depende da compatibilidade entre plantas e solos específicos. Os projetos de restauração ecológica precisam respeitar essas especificidades e diversidade, evitando o risco de gerar homogeneização biótica.”, completa Letícia Ramos, também autora da pesquisa.
Década da restauração
Em todo o mundo, os países se comprometeram a fazer dessa a Década da Restauração. São 10 anos para restaurar o planeta, prevenindo, interrompendo e revertendo a degradação dos ecossistemas em todos os continentes e oceanos até 2030. A proposta das Nações Unidas visas diminuir as emissões de carbono, combater as mudanças climáticas, ajudar a erradicar a pobreza e prevenir uma extinção em massa.
Restaurar o campo rupestre faz parte da iniciativa global pela restauração, de ecossistemas, destacando a complexidade, a riqueza e a vulnerabilidade de ambientes de montanha, além de fornecer ferramentas para guiar outros modelos de restauração em todo o país.
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