
Em 2015, o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco desencadeou um desastre sem precedentes no Rio Doce e no mundo, afetando drasticamente uma região já ameaçada pelos séculos de desmatamentos d Mata Atlântica. As sequelas deste crime ambiental não terminaram depois que a lama de rejeitos tóxicos passou revolvendo o leito do rio, comendo as matas do entorno e levando consigo 19 vidas humanas. Os impactos continuam 10 anos depois a assombrar a vida no vale do Rio Doce.
Um novo estudo publicado na conceituada revista Anthropocene revela os impactos devastadores dessa tragédia ambiental sobre as comunidades vegetais ao longo da calha do Rio Doce. O estudo científico destaca de forma inequívoca um cenário preocupante de perda de biodiversidade e alterações irreversíveis nos ecossistemas diretamente impactados pelo rejeito. Além disso, mostra que as florestas que crescerão no ambiente de lama poderão ser completamente diferentes das matas que antes existiam na região, o que é ainda mais preocupante.
Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e colaborações internacionais investigaram as mudanças na composição e diversidade de espécies vegetais nas áreas impactadas e as compararam com áreas de referência, ou seja, áreas de vegetação onde não houve depósito de lama.
Os resultados são alarmantes: nos locais atingidos pelos rejeitos, o número de tipos de árvores foi cerca de 50% menor para arvores adultas e cerca de 60% menor para mudas, em comparação às áreas de referência. Essa queda acentuada no numero de espécies, ou seja, na biodiversidade, indica tanto a perda de variedades de plantas quanto de suas relações únicas no ecossistema. Ao mudar as espécies de plantas, muda-se também a fauna que habita as florestas, a dispersão dos frutos e sementes, os tipos de polinizadores, ou seja toda a floresta.
Rejeitos Minerais e Suas Consequências
O estudo também aponta uma relação direta entre a alteração nas propriedades do solo e as mudanças na vegetação. Os rejeitos depositados elevaram drasticamente a concentração de ferro e fósforo no solo, enquanto reduziram os níveis de carbono orgânico e areia grossa, essenciais para a regeneração natural da vegetação. Essa situação dificultou a sobrevivência de muitas espécies nativas e abriu espaço para o crescimento de plantas comumente encontradas em áreas perturbadas pela ação humana, como nos terrenos baldios em áreas urbanas.

Uma Tragédia com Consequências Duradouras
As repercussões dessa tragédia vão além da biodiversidade. O impacto nas matas ao longo do rio, ou seja as florestas que margeiam os rios, é uma ameaça direta às comunidades humanas que dependem desses ambientes para abastecimento de água, segurança alimentar e controle de enchentes. Além disso, os rejeitos ainda podem ser ressuspensos durante chuvas intensas, perpetuando o ciclo de degradação. Em outras palavras, o evento poderá ser sentido repetidamente todos os anos, com mais lama sendo removida e espalhada ao longo de toda a extensão do Rio.
“A restauração dos ambientes afetados pela lama é urgente e deve ser baseada em espécies nativas adaptadas a cada região”, enfatiza o Dr. Fernandes, autor principal do estudo. “Estratégias inadequadas, como o uso de um conjunto homogêneo de espécies espalhados ao longo do rio, como se fosse uma só vegetação em todo o seu percurso, agravam a situação, promovendo homogeneização biótica e perda de funções ecológicas essenciais.”, completa o pesquisador.
Um Chamado à Ação
Este estudo é um alerta para governos, organizações ambientais e sociedade civil. A Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos em biodiversidade do planeta, está em risco, e com ele os povos que a habitam, sua vegetação e fauna. Para evitar um colapso ecológico, é essencial implementar projetos de restauração embasados cientificamente, com monitoramento de longo prazo e ações coordenadas que considerem as especificidades de cada região, como foi mostrado em estudos anteriores e nesta síntese comparativa com as áreas impactadas.
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A recuperação do Rio Doce é mais do que uma questão ambiental: é um compromisso com o futuro das comunidades locais e com a sustentabilidade. O estudo reafirma a necessidade de políticas públicas robustas e eficazes para reverter os danos e proteger os recursos naturais para as futuras gerações.
“Ações de restauração ecológica que apenas plantam árvores apenas pintam de verde o marrom da lama”, de acordo com o Prof. Fernandes.
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