O rompimento da barragem de Fundão, em 2015, devastou não apenas comunidades e rios, mas também deixou uma cicatriz profunda na vegetação ribeirinha da bacia do Rio Doce. Aproximadamente 1469 hectares de vegetação e 90% dos habitats ribeirinhos dos rios Fundão, Gualaxo do Norte e Carmelo foram atingidos.
Quase uma década depois, um estudo científico conduzido por pesquisadores do projeto Biochronos (UFMG e Unimontes) e do Centro de Conhecimento em Biodiversidade vem mostrando um caminho promissor para a restauração ecológica da região.
Publicado recentemente na Australian Journal of Botany, o artigo investiga a flora e a estrutura da vegetação que está se regenerando naturalmente ao longo da bacia do Rio Doce, com o objetivo de orientar futuras ações de restauração ecológica nas áreas afetadas pelo desastre ambiental.
O que o estudo revela?
A pesquisa analisou três áreas de florestas preservadas ao longo do Rio Gualaxo do Norte, um dos afluentes do Rio Doce. Essas áreas, que não foram diretamente atingidas pelos rejeitos de minério, abrigam uma rica diversidade de plantas que pode servir de referência para a restauração das áreas degradadas. Ao longo do estudo, foram identificadas 275 espécies de plantas, distribuídas em 47 famílias botânicas. A Fabaceae se destacou como a família com maior diversidade, enquanto a catingueira-de-paca (Siparuna guianensis) foi a espécie mais abundante.
A diversidade de plantas encontradas nos locais de estudo variaram muito de uma área para outra, um fenômeno conhecido como “diversidade beta”. Isso significa que, apesar de estarem relativamente próximas, essas florestas abrigam diferentes tipos de espécies, o que destaca a importância de proteger múltiplas áreas para manter a biodiversidade da região.
O solo foi outro achado importante do estudo. As condições do solo exercem grande influência na regeneração da vegetação. Elementos como magnésio e a saturação de bases no solo ajudam a explicar por que algumas plantas crescem melhor em certos locais.
Catingueira-de-paca (Siparuna guianensis) foi a espécie nativa mais encontrada nas áreas de referência (não degradadas).
O processo de pesquisa
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores utilizaram uma metodologia simples, mas eficaz. Em cada uma das três áreas estudadas, foram estabelecidos transectos – faixas de terra de 5 metros por 5 metros – onde todas as plantas jovens foram identificadas e medidas. Além disso, amostras de solo foram coletadas e analisadas para entender como suas características influenciam a regeneração das plantas. A partir desses dados, foram calculados índices que mostram a diversidade de espécies e a relação entre o solo e o crescimento da vegetação.
Importância para a restauração ecológica
Os resultados da pesquisa têm implicações diretas para a restauração ecológica das áreas atingidas pelo desastre de Mariana. As florestas estudadas podem oferecer um modelo valioso sobre quais espécies e condições do solo são mais adequadas para recuperar a vegetação ripária – aquela que cresce às margens dos rios. Ao replicar as características dessas áreas preservadas, é possível acelerar a recuperação da biodiversidade e restabelecer os processos ecológicos necessários para a saúde do ecossistema.
Além disso, o estudo alerta para os desafios de usar espécies exóticas na recuperação das florestas devastadas. Embora essas espécies possam preencher temporariamente a vegetação destruída, elas podem acabar criando novos ecossistemas, que se afastam da composição original da Mata Atlântica. Os pesquisadores reforçam a importância de uma restauração baseada em espécies presentes nos ecossistemas locais de referência, além de considerar suas interações com os parâmetros nutricionais do solo.
Um caminho para o futuro
A pesquisa evidencia como a natureza tem um enorme potencial de regeneração – especialmente se for auxiliada por práticas de restauração bem fundamentadas.
“Com base nos resultados, as florestas estudadas podem orientar a restauração ecológica das áreas impactadas, oferecendo um modelo sobre quais espécies e condições do solo são essenciais para a recuperação da vegetação ripária e mostrar o caminho que as futuras florestas deste local estão seguindo.”, explica José Gustavo Neves, primeiro autor do artigo, que desenvolveu seu trabalho de conclusão de curso na Unimontes (Laboratório de Ecologia Vegetal) com essa pesquisa.
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